Cinco câmaras quebradas

01/04/2015 09:13

 

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Fotos: Rubens Lopes
por elaine tavares

A presença de Emad Burnat se impõe pela singeleza. Ele é um homem simples, um camponês, que tudo o que queria da vida era viver em paz com sua família, no povoado de Bilin, Palestina, colhendo suas azeitonas. Mas, a violenta ocupação das terras palestinas pelo exército de Israel mudou a vida dele para sempre. Roubado de sua terra e de sua paz, ele não viu outra saída senão enfrentar o invasor. E o faz de uma maneira muito singular: filmando. Assim, registrando o cotidiano de seu povoado, ele conseguiu mostrar ao mundo o que realmente acontece na Palestina e como se expressa a tenebrosa face do terror.

Tudo começou quando nasceu seu quarto filho. Ele comprou uma câmera para registrar os momentos familiares. Mas, no mesmo período, também iniciou no povoado um processo de resistência à ocupação e ao roubo das terras para instalação de colônias israelenses, com a construção de um muro. A comunidade decidiu realizar atos de protesto e resistências, e desde aí, todas as sextas-feiras, as gentes caminhavam até o local onde estava sendo construído o muro para gritar a sua indignação. Emad começou a filmar. Era o único na aldeia a ter uma câmera.

Ao longo de cinco anos ele registrou a violência sistemática sofrida pela gente da aldeia. O roubo das terras, a trágica queima das oliveiras, o avanço das construções israelenses, o sequestro de crianças no meio da noite, a morte de seus companheiros. Ele mesmo foi ferido várias vezes e teve cinco câmeras quebradas nos conflitos, daí o nome do filme. É a vida real sendo muito mais contundente que qualquer filem de ação de roliúdi.

O documentário é doloroso. Impossível dormir depois de ver tudo aquilo, que para as gentes de Balin e de toda a Palestina é o dia-a-dia. A ação de Israel é a escola do ódio. Como ficar impassível diante da queima das oliveiras no meio da noite, para dar lugar a prédios de colonos? Como suportar o olhar do pequeno Gibreel, questionando o pai sobre a morte de Phil, um dos habitantes da cidade, alvejado diante dos seus olhos, em mais um dia de resistência? Como aguentar o olhar de dor de uma mãe que vê seu filho arrancado de casa, apenas por querer defender seu pequeno espaço de terra? É desesperador.

Diante das câmeras, Emad vislumbra a fragilidade da existência e tudo fica mais concreto, porque não é um discurso sobre, é a vida mesma. Uma vida permeada pela sistemática agressão e pelo ódio que acaba nascendo e fazendo morada em todos, de ambos os lados. Impossível não explodir diante do terror.

Emad veio à Florianópolis e na sua humildade expôs a chaga aberta da Palestina. A resisitência do povo de Bilin que nunca esmoreceu, apesar de todas as perdas, e que se fez exemplo para o mundo. Seu corpo marcado pelas balas e pelos ferimentos de um terrível acidente de caminhão é a prova viva da dor. “Há dez anos que nós, em Bilin, seguimos com a luta. É a nossa terra. Nós só queremos viver nossa vida como sempre, plantando, colhendo, cuidando dos bichos.”

O filme “Cinco Câmeras quebradas” tem uma larga trajetória de sucesso. Feito quase que exclusivamente por ele – com ajudas esparsas de um ou outro – tem sido visto por milhões de pessoas no mundo. “A caminhada do documentário não fez com qualquer coisa mudasse em Bilin ou na Palestina, tudo segue igual. As pessoas seguem sendo roubadas, violadas e mortas. Mas, pelo menos, serve para mostrar como é a nossa vida de verdade. Isso já é alguma coisa”.

Emad é um filmador compulsivo. Ele mesmo diz isso no filme em certo momento, quando se questiona se não deveria jogar pedras e enfrentar os soldados como fazem os demais homens na aldeia. Mas, ao mesmo tempo ele intuía que fazer o que fazia, filmar, era também um tipo de luta tão importante quanto a dos companheiros que, inclusive, deram a vida pela luta. Assim, prosseguia, filmando, registrando, até mesmo a sua própria prisão. Em duas ocasiões foi salvo pela câmera, com as balas parando dentro dela. Ele conhece a sombra da morte e não tem medo. Tanto que hoje, enquanto ele anda pelo mundo falando da luta dos palestinos, lá, na pequena Bilin, quem segue seus passos é o filho maior, que já empunha a câmara com precisão.

Emad, o cinegrafista, é um exemplo de amor pela informação e pela vida. Agarrado a sua câmera ele eterniza a barbárie, não como expressão de um sacrifício, mas como um libelo à resistência de uma Palestina que segue viva e de pé. Não foi sem razão que as gentes que lotaram o auditório do CCS/UFSC aplaudiram em pé a sua aparição, logo após o acendimento das luzes. Chocados pelas imagens da dor cotidiana, e estupefatos por ver que a vida encontra seu caminho, mesmo diante da ação mais violenta. A figura pequena e serena de Emad é, ela mesma, uma bandeira de esperança.

فلسطين حرة ! Falistin, horra! Palestina, Livre.

A projeção do documentário e a vinda de Emad Burnat foram promovidas pelo “Comitê Catarinense de apoio ao povo Palestino” em parceria com o projeto “História e Cultura do povo palestino”, coordenado pela professora Magda Zurba, do Curso de Psicologia da UFSC.